quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

AOS VELEJADORES DA FLOTILHA DO CERRADO

Escolas de Vela ou de Pilotos?
Nenhum homem, creio, pode ficar constantemente ao leme para dar a volta ao mundo. Fiz melhor do que isso: fiquei sentado lendo meus livros, remendei minhas roupas, preparei minhas refeições e comi-as em paz. Joshua Slocum - Sozinho ao redor do mundo
Estive conversando com um antigo e experiente velejador e ele me passou o dado de que apenas 10% dos garotos que saem do Optimist aos 15 anos prosseguem na vela.Penso que deveria ser dado um novo enfoque às Escolas de Vela e às flotilhas de Optimist, quando se trata de preparar crianças.
Quando era pequeno e velejava em barcos chamados "Piranhas", não tínhamos treinador. Nem aprendíamos a velejar em Escolas de Vela. Não havia Escolas naquela época. Também não existiam flotilhas para pequenos velejadores. Chegávamos no Clube e íamos todos navegar. Fazíamos as mais diversas brincadeiras, passeios e, inclusive, pequenas e rápidas simulações de regata. Tudo por conta própria.Hoje, o que se verifica nas flotilhas de Optimist, o barco das crianças, é que, quando, por uma razão qualquer, o treinador não aparece no dia do treino, as crianças não montam seus barcos nem entram na água. Parece que elas ficaram dependentes do treinador. Parece que velejar por velejar sem muito sentido não possui qualquer sentido para elas.Pelo que tenho observado, os treinos dessas flotilhas são treinos para vencer regatas. E não muito mais que isso.
Fico a me indagar se não seria melhor um "treinamento" em que os enfoques principais fossem a diversão, o lazer e a formação de marinheiros, e não a formação de pilotos de barcos, ou melhor dizendo, timoneiros, regatistas, competidores. Sei que nas flotilhas, alguns pais querem que seus filhos vençam as regatas. Mas sei também que há outros tantos, que acredito sejam a maioria, que não se importam com a colocação de seus filhos. Querem, sim, que eles formem sua personalidade de maneira sadia, tomem gosto pela vela e recepcionem esse esporte/hobby como algo que possam curtir para o resto de suas vidas.
Penso que deveria haver um redirecionamento do treinamento nas flotilhas da classe Optimist.
Passaria a ser muito mais voltado para a formação integral de marinheiros do que exercícios técnicos para vencer regatas. A gurizada faria passeios, acampamentos, aprenderiam a consertar cascos de barcos, a costurar velas, a construir pequenos veleiros. Em algumas ocasiões - ou muitas -, o treinador poderia ficar na beira da praia apenas olhando (e cuidando) os meninos (as) se divertindo sozinhos com seus barcos. Dentro dessa política lúdica, poderiam ser feitas pequenas regatas-treino, algumas largadas-treino, ou seja, as técnicas iam sendo transmitidas naturalmente, sem necessidade de empurrá-las goela abaixo. E dias de treino não precisariam ser necessariamente dias de vela. Poderiam ser dias de futebol, vôlei e até - por que não?! - pescaria.
O que importa é que sejam dias felizes.
Dias que marcarão os corações dessas crianças a ferro e fogo com a paixão pela Vela para o resto de suas vidas.
Um País como o Brasil, com uma costa vasta, com muitas cidades no litoral, deveria ter muito mais velejadores. A Vela num país dessas condições deveria ser um dos esportes da preferência nacional. Mas não é. Costuma-se dizer que a razão disso é a falta de poder econômico de nosso povo. Não posso concordar com essa justificativa.
Há muitas maneiras de praticar Vela, assim como há várias maneiras de jogar futebol. Dá para jogar futebol uniformizado, com chuteiras Nike, bola Oficial Penalty, em campo coberto e de grama artificial. Assim como dá para jogar futebol de ceroulas, em terreno baldio, com os pés no chão e bola feita com meia de mulher cheia de jornal amassado. Nesse País, joga-se futebol caro e futebol barato.
Entretanto, só se pratica Vela cara.
E qual a razão de não praticarmos Vela barata? A primeira é que não formamos marinheiros (desde criança) para amar a Vela. Formamos pilotos para a Fórmula 1. Formamos garotos para vencer. Se não vencem, não estão no caminho certo. Não é para menos que 90% das crianças abandonam a vela. Logo ali adiante, a grande maioria descobre que não consegue tirar o PRIMEIRO lugar. Claro que não podem descobrir coisa diferente. O primeiro, o segundo e o consolador terceiro lugar só podem ser ocupado por três velejadores!Precisamos formar marinheiros. Precisamos formar crianças com amor à Vela, não competidores apenas. Precisamos de crianças-velejadoras que saibam consertar um leme, que saibam costurar uma vela, que saibam manter e cuidar de um barco, e não, de pilotos, que a qualquer avaria no barco saem correndo a seus pais para levá-los à loja de Vela mais próxima para comprar material novo e preferencialmente importado.
Em aeromodelismo, costuma-se dizer que existem pilotos de aeromodelos e aeromodelistas. O nome aeromodelista é reservado para aqueles que além de pilotar, sabem construir, consertar, criar e modificar aeromodelos. Pilotos, tudo que sabem é pilotar. Aeromodelistas projetam aeromodelos, constroem, estudam aerodinâmica, informam-se sobre conhecimentos básicos de mecânica de motores e eletrônica. Costuma-se afirmar nesse meio que pilotos aparecem, voam, passam e desaparecem no horizonte e que o aeromodelista não: uma vez aeromodelista, sempre aeromodelista.
Tenho a firme convicção de que se passarmos a nos preocupar menos com a colocação dos pitocos nas regatas e nos concentrarmos mais em transmitir-lhes a paixão pela Vela, ensinando-lhes construção de barcos, dinâmica dos barcos e velas, fabricação e conserto, idéias básicas astronomia, navegação estimada, eles renderão frutos no curto prazo, propiciando uma maior divulgação e crescimento do esporte.Os conceitos e princípios passados a essas crianças nas flotilhas são equivocados.
Para vencer uma regata, ou melhor, para posicionarem-se entre os primeiros, necessitam de um barco Optimist que custa no mínimo uns U$ 800,00 dólares. Precisam de velas que não saem por menos de U$ 300 dólares. Todo o material acessório tem de ser de primeira linha e de preferência importado. Ou seja, ensina-se, desde cedo, esses meninos, a tornarem-se implacáveis consumidores.De certa vez, indaguei a uma pessoa do meio da Vela do motivo pelo qual no Brasil não se fabricava um barco mais barato para a criançada. A resposta veio pronta: porque com esse barco os atletas não poderiam participar de competições internacionais.
Danem-se as competições internacionais!! Quantos dos 1000 velejadores brasileiros com menos de 15 anos vão anualmente participar de competições internacionais?! Não sei ao certo, mas asseguro que mal passam de uma dúzia. Não temos veleiros brasileiros para crianças porque o brasileiro, em geral, não sabe nem projetar nem construir barcos. Porque os velejadores adultos passam aos pequenos os mesmos preconceitos que lhes ensinaram. Porque toda a nossa cultura da Vela está equivocada.
Nossa Vela é elitista, preconceituosa, babaca e burra.
Nos Clubes de Vela, é feio sair a velejar com uma Vela costurada. Deve-se comprar uma nova. É feio substituir ferragens por cabos de nylon. É feio fazer uma bolina para um Optimist mesmo que ela seja perfeita e tão boa quanto a original. É feio aparecer no Clube velejando com um barco projetado na sala de casa e construído no fundo do quintal. É dessa maneira que os adultos-velejadores são e pensam e é isso que transmitem aos mais novos.É perfeitamente viável projetar e construir um barco parecido e com as mesmas dimensões do Optimist e que veleja tão bem quanto ou melhor (basta fazer uma proa digna de um barco) com menos de U$ 300 dólares. Compensado (não necessariamente naval se for impermeabilizado com epóxi), mastro feito com lâminas de madeiras coladas e sobrepostas, velas feitas de tergal ou algodão em vez de dracon, velas de temporal de encerado locomotiva, costuradas com fio de poliamida, cabos em vez de ferragens, tiras nas velas em vez de ilhoses e pegadores inox.
Nos dias que correm e do jeito em que está a nossa cultura vélica, apenas crianças que chegam entre os primeiros lugares em regatas aprendem a amar a vela. Porque o ensino da vela para essas crianças coloca como primordial vencer regatas. Do jeito que está, somente filhos da classe média alta tem condições de competir em regatas.
Por isso, a Vela não cresce no Brasil.
Não é a Vela que é cara, é nossa mentalidade é que é pobre.Então, de nada adiantaria, nessas condições, uma grande campanha de divulgação da Vela, se vier desacompanhada de uma mudança radical e completa de nossa cultura vélica.
É preciso cambar 180º.
Querem divulgar a Vela? Iniciem mudando seus próprios conceitos. Mudem completamente o enfoque do treinamento dos iniciantes. Vamos parar de tentar formar "timoneiros de provas" e sim, Marinheiros, com amor à Vela.
Marinheiro não é aquele que sabe chegar mais rápido em uma bóia. Marinheiro é aquele que sabe prever o tempo, sabe se localizar quando navegando, sabe consertar um leme, fazer um leme de fortuna, consertar um casco, construir um barco.
Marinheiro é aquele que sabe navegar, não necessariamente correndo e com pressa de chegar, mas calmamente, tranqüilamente, iluminado por estrelas, pelo valor de seus conhecimentos náuticos e por seu amor à Vela. Sabiamente ensinado.
Flávio Medeiros
Colaboração : Marcos Henrique Dos Santos

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